Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

Apelante/Exequente: Condomínio A…
Apelada/Executada: B…

I. Pedido: Revogação da decisão da primeira instância que, julgando parcialmente procedente a oposição deduzida pela executada, declarou parcialmente extinta a execução, e a sua substituição por outra que ordene o prosseguimento dos autos pela totalidade da quantia exequenda.

Nos presentes autos de execução em que é exequente o Condomínio A…sito na Av. … e executada B…, veio esta deduzir oposição à execução, pugnando pela extinção da execução, alegando, em síntese, que não deve a quantia peticionada do condomínio, tendo pago os anos de 2000 e 2001, e referindo juntar prova.
Mais alega que, tendo decorrido mais de 5 anos, a dívida se encontra prescrita.
Conclui, pedindo, pois, que a execução seja declarada extinta, por prescrição da dívida ou que sejam atendidas as quantias de que venha a fazer prova que pagou.

A exequente contestou, alegando que as dívidas de condomínio não se podem considerar obrigações renováveis uma vez que dependem sempre da deliberação da assembleia de condóminos.
Mais referiu que não tem registo dos pagamentos alegados pela oponente e, como tal, impugna para todos os efeitos os documentos juntos.
Conclui, pedindo que seja julgada improcedente a oposição, por não provada, seguindo-se os demais temas até final.

Foi proferida decisão que, julgando parcialmente procedente, por parcialmente provada, a oposição deduzida e, considerando que inexiste título executivo válido relativamente aos anos de 1999, 2000, 2001, 2002 e 1.º semestre de 2003, declarou a extinção parcial da execução, passando esta a seguir apenas relativamente às dívidas do condomínio vencidas posteriormente, ou seja, € 1.759,73, e respetivos juros de mora.

Inconformado com a decisão, veio o exequente interpor o presente recurso de apelação, tendo formulado as seguintes conclusões:

1. A douta sentença recorrida considerou prescritas as comparticipações nas despesas comuns vencidas há mais de cinco anos, aplicando o disposto na alínea g) do artigo 310.º do Código Civil;
2. As comparticipações nas despesas comuns ou despesas condominiais são prestações fracionadas e não prestações periodicamente renováveis;
3. Estas prestações não nascem automaticamente pois só surgem se forem e quando forem aprovadas pela assembleia de condóminos;
4. A relação subjacente (aquisição da propriedade) à obrigação de pagar as despesas condominiais não desencadeia, só por si, o nascimento da prestação;
5. No caso dos presentes é manifesto que foram as deliberações das assembleias de condóminos que desencadearam a obrigação de pagamento das prestações.
Veja-se em particular,
6. As quotas extra aprovadas para os anos de 2000 e 2001, caso e quem além das comparticipações decorrentes da aprovação dos orçamentos, tornou-se necessária a aprovação de comparticipações suplementares de forma a fazer face às despesas desses anos;
7. No caso destas prestações, parece inequívoco que as referidas quotas extra não têm qualquer característica de renovabilidade até porque nos restantes anos não se repetiram;
8. Ainda assim, também nos restantes casos não se verifica qualquer renovação automática e periódica das despesas condominiais, porque a existência destas depende sempre da aprovação do orçamento anual para o condomínio;
9. Ora, daqui resulta que não existe uma autonomia entre a prestação e a relação jurídica que permita a renovabilidade da prestação apenas pelo decurso do tempo;
10. O que, efetivamente, ocorre é que após a deliberação da assembleia de condóminos é aprovado um orçamento de despesas comuns para um determinado ano, e o valor devido por cada condómino vai ser fracionado no tempo, ou seja, dividido em prestações mensais/trimestrais/semestrais ao longo do ano, até perfazer o valor total;
11. Em suma, as despesas condominiais são prestações instantâneas porque nascem no momento em que são aprovadas pela assembleia de condóminos e são fracionadas porque o vencimento das mesmas prolonga-se no ano para o qual o montante global foi aprovado;
Acresce que,
12. A prescrição reflete o período de tempo durante o qual perdura a negligência do credor em acionar o devedor, pretendendo-se com esta forma de extinção da obrigação, penalizar o credor que tardou a exercer o seu direito;
13. O decurso de cinco anos é manifestamente insuficiente e não se adapta à realidade da propriedade horizontal;
14. Os atos que o administrador da propriedade horizontal pratica, enquanto órgão executivo das deliberações das assembleias, dependem sempre destas;
15. O administrador do condomínio só poderá, por exemplo, demandar judicialmente um condómino devedor, se existir capacidade financeira para o fazer;
16. Os custos judiciais decorrentes da execução contra o condómino devedor têm que ser suportados por todos os condóminos cumpridores dos seus deveres e obrigações da vivência em condomínio;
17. De outro lado, as despesas condominiais não são, habitualmente, de valor elevado – no caso em apreço o valor mensal é de cerca de € 41,89;
18. Pelo que, o recurso à via judicial carece de ponderação e sacrifício financeiro pessoal de cada um dos condóminos.
Logo,
19. O prazo de prescrição de cinco anos é claramente insuficiente e inadequado ao regime da propriedade horizontal;
20. De facto, tendo os restantes condóminos sacrificado a sua vida financeira pessoal para custear o presente processo, é abusivo penalizá-los por não o terem feito mais cedo;
21. Certo é que considerar que a obrigação da executada encontra-se prescrita é conferir-lhe uma vantagem patrimonial à custa dos restantes comproprietários, o que é manifestamente abusivo e injusto;
22. Pelo que, às despesas condominiais deve ser aplicado o prazo geral de 20 anos, conforme resulta do disposto no artigo 309.º do CC;
23. A douta sentença recorrida aplicou erradamente o disposto no artigo 307.º, alínea g) do CC, devendo ter aplicado o prazo de prescrição que resulta do artigo 309.º do CC;
24. Deve conceder-se provimento ao presente recurso, devendo a sentença ser revogada por outra que ordene o prosseguimento dos autos pela totalidade da quantia exequenda.

Não houve contra-alegações.

II.1 O âmbito objetivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.os 684.º, n.º 3 e 690.º, do CPC), importando, assim, decidir as questões nelas colocadas e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso, excetuando-se aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, nos termos do art.º 660.º, n.º 2, do CPC.
Sendo certo que, na falta de especificação no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art.º 684.º, n.º 2, do CPC), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 3 do mesmo art.º 684.º).
Assim, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o Tribunal de recurso, que, aliás, não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664.º, 1.ª parte, do CPC, aplicável ex vi do art.º 713.º, n.º 2, do mesmo diploma) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto.
Por fim, há que ter em conta que, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Assim, e considerando as conclusões do apelante, a questão essencial a decidir consiste em saber qual o prazo prescricional aplicável às prestações do condomínio em causa nos presentes autos: se o de 5 anos, previsto no artigo 310.º, g), do CC, se o prazo ordinário de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309.º, do CC.

II.2.1 O Tribunal de primeira instância deu como assentes os seguintes factos:

1. Na assembleia geral de condóminos do prédio urbano sito no n.º … da Avenida … …, realizada no dia ..de …de 2007 foi deliberado a dívida da oponente ascende 5.971,04€, correspondente às quotas dos anos de 1999 (502,78€), 2000 (502,78€+1.197,11€), 2001 (502,78€ + 343,17€ + 408,52€), 2002 (502,78€), 2003 (502,78€), 2004 (502,78€), 2005 (502,78€), 2006 (502,78€).
2. As quotas de condomínio vencem-se ao 15.º dia do trimestre ou ao 15.º dia do semestre a que correspondem.
3. A oponente foi citada para os termos da execução em Maio de 2008.

II.2.2 Apreciando.

Quanto à questão de saber qual o prazo prescricional aplicável às quotas de condomínio em causa nos presentes autos: se o de 5 anos, previsto no artigo 310.º, g), do CC, se o prazo ordinário de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309.º, do CC.

Sustenta o apelante que o prazo prescricional aplicável às quotas do condomínio é o prazo ordinário de 20 anos previsto no artigo 319.º do CC.
Para tanto, alega, em síntese, que tais comparticipações nas despesas comuns são prestações instantâneas fracionadas – e não periodicamente renováveis, como entendeu o Tribunal a quo -, uma vez que só surgem após a aprovação pela assembleia de condóminos (conclusões 1.ª a 5.ª e 8.ª a 11.ª). Além disso, foram aprovadas quotas extra para os anos de 2000 e 2001, as quais, sem qualquer dúvida, não são periodicamente renováveis (conclusões 6.ª e 7.ª); por outro lado, o prazo de 5 anos é “…manifestamente insuficiente e não se adapta à realidade da propriedade horizontal…”, sendo certo que só se poderá demandar judicialmente um condómino incumpridor se houver capacidade financeira para o fazer, tendo os respetivos custos judiciais de ser suportados por todos os restantes condóminos (conclusões 12.ª a 19.ª). Com o prazo curto de 5 anos estar-se-iam, pois, a penalizar os restantes condóminos por não terem tido posses para acionar mais cedo a ação judicial e, ao mesmo tempo, a premiar o condómino incumpridor à custa dos restantes (conclusões 20.ª e seguintes).

Salvo melhor opinião, não tem o apelante razão.
Com efeito, estamos no domínio de uma das formas do direito de propriedade, mais concretamente, no regime da chamada propriedade horizontal, o qual tem a ver com “…um edifício dividido em frações, constituindo unidades independentes e isoladas, pertencentes a proprietários diversos…”, nos termos do artigo 1414.º do CC.
Na propriedade horizontal “…se congregam duas situações jurídicas distintas: uma de «propriedade singular», no que respeita às frações autónomas do edifício (andares, apartamentos, etc.); e outra de «compropriedade», cujo objeto é constituído pelas partes comuns referidas no artigo 1421.º [do CC] […]. O que verdadeiramente caracteriza a propriedade horizontal é, pois, a fruição de um edifício por parcelas ou frações independentes, mediante a utilização de partes ou elementos afetados ao serviço do todo. Trata-se, em suma, da coexistência, num mesmo edifício, de propriedades distintas, perfeitamente individualizadas, ao lado da compropriedade de certos elementos, forçadamente comuns […]; trata-se de um direito real «novo», de um novo tipo introduzido no direito das coisas…”[1].
O conjunto dessas frações autónomas e das partes comuns do edifício, que resulta da propriedade horizontal, denomina-se condomínio ou, na noção de Henrique Mesquita, “…a figura definidora da situação em que uma coisa materialmente indivisa ou com estrutura unitária pertence a vários titulares, mas tendo cada um deles direitos privativos ou exclusivos de natureza dominial – daí a expressão condomínio – sobre frações determinadas”, e em que “…cada condómino está vinculado, no exercício do seu direito, a diversas limitações de origem legal ou negocial impostas em benefício dos demais proprietários de frações do prédio…”[2].
A administração dessas partes comuns compete à assembleia de condóminos e a um administrador (art. 1430.º, n.º 1, do CC), enquanto a das frações autónomas compete, em exclusivo, como a respetiva propriedade, ao respetivo titular. Essa administração cabe, assim, conjuntamente a dois órgãos: a assembleia de condóminos, como órgão deliberativo; e o administrador, como órgão executivo (art. 1436.º, do CC, em especial a sua al. h)). A assembleia de condóminos reúne-se ordinária ou extraordinariamente, para discussão e aprovação das contas respeitantes ao último ano e aprovação do orçamento das despesas a efetuar durante o ano (art.º 1431.º, n.os 1 e 2 do CC).
Ora, é entendimento dominante de que a obrigação dos condóminos pagarem as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e aos serviços de interesse comum é, no que às despesas em atraso respeita, uma obrigação ob rem ou propter rem de dare, não ambulatória, já que, apesar da sua ligação genética ao direito real, não o acompanha em caso de transmissão.
Assim, a obrigação de contribuir para tais despesas, no dizer de Pires de Lima e Antunes Varela, é “…uma típica obrigação «propter rem», decorrente não de uma relação creditória autónoma, mas do estatuto do condomínio…”[3].
Ou seja, o novo condómino, ao adquirir a respetiva fração, não fica automaticamente sujeito à obrigação de pagar as eventuais despesas de condomínio ou de conservação do imóvel em dívida, apenas respondendo pelas que se vençam após a sua investidura na qualidade de condómino.
No fundo, as obrigações reais não ambulatórias autonomizam-se quando se verificam os respetivos pressupostos e seguem o regime geral das relações obrigacionais.
Como se sustentou no Acórdão da Relação de Coimbra, de 14.11.2006, em bom rigor, só as obrigações ambulatórias merecem o qualificativo de reais, sendo certo que “…as obrigações reais não ambulatórias, como é o caso das prestações vencidas das despesas de condomínio e de conservação do imóvel, autonomizam-se quando se verificam os respectivos pressupostos e seguem o regime geral das relações obrigacionais. Ou seja, […], desde o momento em que se venceram, as prestações das aludidas despesas desligaram-se do direito real que esteve na sua génese, cortaram os laços com o direito das coisas e passaram a reger-se exclusivamente pelo direito das obrigações. Por isso […] não encontramos razão para que à obrigação do condómino de pagar as despesas de condomínio e conservação do imóvel já vencidas se não aplique o regime da prescrição…”[4].
No tocante à prescrição, dispõe o art.º 298.º, n.º 1, do CC, que “…Estão sujeitos a prescrição pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição…”.
A prescrição consiste, pois, na faculdade de o beneficiário recusar o cumprimento da prestação ou de se opor ao exercício de um direito decorrido certo prazo (art.º 304.º, n.º 1, do CC). O fundamento deste instituto reside, assim, na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante determinado prazo, fazendo presumir que ele tenha querido renunciar ao direito ou, pelo menos, tornando-o não merecedor da tutela jurídica. A razão da lei é a adaptação da situação de direito à situação de facto de não exercício do direito durante certo tempo pelo seu titular.
O prazo ordinário da prescrição é de 20 anos (art.º 309.º do CC). Há ainda prazos mais curtos, excecionais, de cinco anos (art.º 310.º do CC), de seis meses (art.º 316.º do CC) ou de dois anos (art.º 317.º do CC).
O art.º 310.º, do CC, elenca várias situações que prescrevem no prazo de cinco anos [alíneas a) a f)] e, na alínea g), refere expressamente que também prescrevem no mesmo prazo “…Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis…”.
Como refere a doutrina, a razão de ser da fixação deste prazo curto, tem por finalidade evitar que o credor, retardando a exigência dos créditos periodicamente renováveis, os deixe acumular tornando excessivamente onerosa a prestação a cargo do devedor.
E, no mesmo sentido, vai a jurisprudência, como é o caso do Acórdão do STJ, de 02.05.2002, onde, a propósito de uma situação de prescrição a curto prazo, se decidiu que “…O prazo da prescrição, começa a contar-se da exigibilidade de cada prestação. Tal prescrição, interrompe-se, todavia, pela citação ou qualquer ato que exprima a intenção de se exercer o direito. A razão de ser de um prazo curto de prescrição das prestações periodicamente renováveis é evitar que o credor as deixe acumular tornando excessivamente onerosa a prestação a cargo do devedor…”[5].
Ora, salvo o devido respeito, e no seguimento do entendimento que temos como a melhor doutrina e jurisprudência, afigura-se-nos ser esta, justamente, a situação atinente às quotas de condomínio em causa, ou seja, a comparticipação das despesas comuns por parte de cada um dos condóminos que, ao contrário do sustentado pelo apelante, constituem obrigações reais não ambulatórias, sendo prestações periodicamente renováveis.
Na verdade, não nos parece curial a tese do apelante no sentido de que as prestações em dívida no caso sub judice constituem prestações instantâneas fracionadas. Estas ocorrem quando, existindo uma única prestação, instantânea por natureza, esta é realizada por partes, ou seja, “…executada por diversas parcelas, em consequência de convenção das partes. O objeto global da prestação é, neste caso e ao invés do que sucede na prestação duradoura, desde o início fixado, mas a execução é escalonada no tempo, realizando-se por diversas frações ou prestações. É o que acontece, por exemplo, na venda a prestações, relativamente à prestação de preço…”[6].
Ao invés, “…quando, todavia, em vez de uma única prestação a realizar por partes (prestação fracionada), existam – posto que decorrentes de uma só relação obrigacional – diversas prestações (isto é, prestações repetidas) a satisfazer regularmente […] ou sem regularidade exata […], teremos as chamadas prestações «reiteradas, repetidas, contrato sucessivo» ou «periódicas» («lato sensu»)…”[7]. Por outras palavras, no domínio das chamadas prestações duradouras, isto é, aquelas que não se esgotam num só momento, antes se distendendo no tempo, uma prestação diz-se periódica “…quando, protelando-se no tempo, tem de ser realizada em momentos sucessivos, com espaçamento em regra regular…”[8].
Entendemos ser este o caso das ditas despesas condominiais, ou melhor dizendo, “…as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum…”, como é referido no art.º 1424.º, n.º 1, do CC, que integram, assim, a situação prevista na já referida alínea g) do art.º 310.º, do CC, estando, pois, sujeitas ao prazo de prescrição de 5 anos.
Como ensina Aragão Seia “…As despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do condomínio constam de um orçamento a elaborar anualmente, sendo depois repartidas pelos condóminos, geralmente em prestações mensais nos termos do artigo 1424.º por representarem a contrapartida do uso e fruição daquelas partes comuns. Essas prestações renovam-se, pois, anualmente, enquanto durar o condomínio – artigos 1424.º e 1431.º. Assim sendo, prescrevem no prazo de cinco anos – alínea g) do artigo 310.° – e o prazo da prescrição começa a correr da data em que a prestação pode ser exigida — n.º 1 do artigo 306.º…”[9].
E é também este o entendimento dominante, senão unânime, da nossa jurisprudência, podendo-se citar, entre outros, o Acórdão do STJ de 14.12.2000, onde se sustentou que “…Quando as prestações de um condómino respeitam a despesas do condomínio atinentes a serviços de segurança, vigilância, limpeza, água e eletricidade e seguro do prédio, o prazo de prescrição das mesmas é de cinco anos…”[10].
Do Acórdão da Relação de Coimbra, de 14.11.2006 colhe-se também : “…O novo condómino, ao adquirir a respetiva fração, não fica automaticamente sujeito à obrigação de pagar as eventuais despesas de condomínio ou de conservação do imóvel em dívida, apenas respondendo pelas obrigações que se vençam após a sua investidura na qualidade de condómino – obrigações «ob rem» ou «propter rem de dare», não ambulatórias. A obrigação do condómino de pagar as despesas de condomínio e de conservação do imóvel já vencidas está sujeita ao regime da prescrição previsto no art.º 310.º, al. g), do C. Civ. – 5 anos…”[11].
No mesmo sentido, também se pronunciaram o Acórdão da Relação de Lisboa, de 16.03.2010[12], e o Acórdão da Relação de Lisboa, de 22.04.2010: “…As prestações relativas às despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do condomínio prescrevem no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º, alínea g) CC…”[13]. Neste último aresto, aliás, chama-se justamente a atenção para o facto de que “…o estabelecimento deste prazo curto de prescrição tem por finalidade evitar a acumulação de dívidas, impedindo que estas atinjam montantes elevados e acarretem a ruína do devedor (cfr. Vaz Serra, «Prescrição extintiva e caducidade», BMJ, 106.º, pgs. 107 e 121)…”.

E que dizer das alegadas “quotas extra” relativas aos anos de 2000 e 2001 invocadas pelo apelante?
Pois bem, a verdade é que tal situação, a existir, não pode ser apreciada por este Tribunal de recurso, uma vez que o apelante, pura e simplesmente, não impugnou a matéria de facto dada como assente pelo Tribunal a quo, como lhe competia (art.º 690.º-A, do CPC). Por outro lado, não contendo os presentes autos quaisquer elementos probatórios que comprovem as alegadas “quotas extras” (nem a própria sentença recorrida lhes faz qualquer referência) não pode, assim, esta Relação socorrer-se do poder que lhe é conferido pelo art.º 712.º, do CPC.
Por fim, também não colhe o argumento da “manifesta insuficiência” do prazo prescricional de 5 anos, que, no entender do apelante, não se coadunaria com a “realidade da propriedade horizontal”, “penalizando” os condóminos de fracos recursos económicos para poderem deduzir atempadamente a ação judicial respetiva contra o condómino incumpridor. Com efeito, nada obriga a que o condómino esteja “condenado” a aguardar por uma situação financeira favorável que lhe permita, enfim, intentar a ação judicial competente, quando pode, desde logo, recorrer, ao mecanismo do apoio judiciário. Na verdade, temos de ter presente que o condomínio goza de personalidade judiciária, nos termos do art.º 6.º, al. e), do CPC, sendo numerosas as decisões jurisprudenciais que consideram que, não obstante não gozar de personalidade jurídica, ainda assim, é admissível a concessão de apoio judiciário. Entre muitos outros, podem-se citar os Acórdãos da Relação de Lisboa, de 28.05.1998[14], e da Relação do Porto, de 28.03.2001[15], ou, ainda o Acórdão da Relação de Lisboa, de 14.02.2002, onde se sustentou que “…O condomínio pode beneficiar de apoio judiciário, devendo, para esse efeito, ser visto como a comunidade dos condóminos que são o seu substrato pessoal. É em relação a essas pessoas que integram o condomínio que há de apurar-se a suficiência ou insuficiência económica para custear a demanda…”[16].
De qualquer modo, é bom não esquecer o que se decidiu no Acórdão da Relação de Lisboa, de 30.05.2000: “…O condomínio não se enquadra em nenhuma das categorias de entidades com direito a apoio judiciário referidas no art. 7.º do DL n.º 387-A/87, de 29/12, mas tal facto não impede que os condóminos, como pessoas singulares e ao abrigo do n.º 1 do mesmo preceito, carenciados de recursos económicos para suportar as despesas normais da lide, possam gozar desse benefício…”[17], sendo de salientar que o próprio Tribunal Constitucional[18], no seu Acórdão n.º 89/2003, de 06.03.2003, julgou inconstitucional, por violação do art.º 20.º, n.º 1, da CRP, o entendimento de que é de excluir o apoio judiciário a entidades sem personalidade jurídica, com mera personalidade judiciária, de modo a poder exercitar, ou a ver contra si exercitados, os meios de tutela jurisdicional existentes[19].
Improcede, assim, o alegado pelo apelante, pelo que não merece qualquer censura a decisão recorrida.

III. Pelo exposto, e de harmonia com as disposições legais citadas, decide-se negar provimento à apelação e, consequentemente, manter a decisão recorrida.
Custas pelo apelante, em ambas as instâncias.

Lisboa, 21 de Junho de 2011

Maria Amélia Ribeiro
Graça Amaral
Ana Resende
————————————————————————————–
[1] PIRES DE LIMA, Fernando Andrade, e VARELA, João de Matos Antunes, Código Civil (Anotado), Vol. III, 2.ª Edição Revista e Atualizada, Coimbra Editora, 1984, p. 397.
[2] MESQUITA, Henrique, “A Propriedade Horizontal no Código Civil Português”, in Revista de Direito e Estudos Sociais, Ano XXIII, n.os, 1-2-3-4, pgs. 147, 150 e 151.
[3] PIRES DE LIMA, Fernando Andrade, e VARELA, João de Matos Antunes, Código Civil (Anotado), Vol. III, 2.ª Edição Revista e Atualizada, Coimbra Editora, 1984, p. 432.
[4] Rel. Des. Artur Dias (disponível em www.dgsi.pt; sublinhado nosso).
[5] Rel. Cons. Dionísio Correia (disponível em www.dgsi.pt; sublinhado nosso).
[6] PRATA, Ana, Dicionário Jurídico, Vol. I, 5.ª Edição, p. 1095.
[7] ALMEIDA COSTA, Mário Júlio, Direito das Obrigações, 10.ª Edição Reelaborada, Almedina, 2006, p. 700.
[8] PRATA, Ana, Dicionário Jurídico, Vol. I, 5.ª Edição, p. 1095.
[9] ARAGÃO SEIA, Jorge Alberto, Propriedade Horizontal, 2.ª edição, Almedina, 2002, pág. 131 (sublinhado nosso). No mesmo sentido Abílio Neto (Manual da Propriedade Horizontal, Almedina, 3.ª edição, 2006, pág. 267).
[10] Rel. Des. Saleiro de Abreu (disponível em www.dgsi.pt).
[11] Rel. Des. Artur Dias (disponível em www.dgsi.pt; sublinhado nosso).
[12] Rel. Des. Anabela Calafate (disponível em www.dgsi.pt).
[13] Rel. Des. Márcia Portela (disponível em www.dgsi.pt).
[14] Rel. Des. Ferreira Mesquita (disponível em www.dgsi.pt).
[15] Rel. Des. Gonçalo Silvano (disponível em www.dgsi.pt).
[16] Rel. Des. Bruto da Costa (disponível em www.dgsi.pt).
[17] Rel. Des. Narciso Machado (disponível em www.dgsi.pt).
[18] In Diário da República, II Série, 27.03.2003, p. 4281.
[19] V. COSTA, Salvador da, O Apoio Judiciário, 7.ª Edição Atualizada e Ampliada, Almedina, 2008, p. 55.

Fonte : Processo 7855/07.6BOER-A.L1-7

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