Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. O Condomínio do A instaurou a presente ação declarativa , com processo ordinário, contra B, C, D, E e mulher, F, G, e H-Contabilidade, Auditoria e Gestão de Empresas, Lda, pedindo a condenação dos cinco primeiros Réus a remover da parede exterior do prédio as poleias e os aparelhos de ar condicionado que ali colocaram, e a condenação dos Réus G e “H”, Lda. a remover a divisória montada nas escadas de emergência situadas no piso do R/c, de modo a deixarem livre a área comum que ocupam, alegando terem os Réus procedido a tais inovações sem o conhecimento e autorização do condomínio e contra o regulamento vigente.
No despacho saneador foram julgadas improcedentes as exceções invocadas pelos Réus, respeitantes à ineptidão da petição inicial, ilegitimidade do Autor, irregularidade do mandato e indevida coligação dos Réus. Deste despacho foi interposto recurso de agravo.
Efetuado o julgamento, foram os Réus condenados no pedido.
Por acórdão de 16 de Março de 2004, a Relação de Lisboa negou provimento ao recurso de agravo bem como ao recurso de apelação interposto da sentença proferida em 1 ª instância.
Inconformados, recorreram B e C, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
1. O presente recurso foi interposto do aliás douto acórdão proferido nos autos.
2. Ora, contra o que é sustentado no acórdão recorrido, não se vê que o administrador tenha sido validamente autorizado pela assembleia para instaurar a ação, não se tendo por exata a afirmação de que tal autorização decorreria da ata da assembleia realizada em 5/05/2000, que não teria merecido qualquer impugnação.
3. Na verdade, essa impugnação consta do ponto 2. do requerimento apresentado em 20/11/2000, no qual se argui a nulidade das deliberações da “assembleia” de 5:05/2000, matéria de que o despacho recorrido não conheceu, devendo fazê-lo.
4. Também se discorda do despacho recorrido quando nele se pretende que a questão em causa respeita a atos conservatórios ou de administração da competência do administrador.
5. De facto, a questão da instalação de aparelhos de ar condicionado na parede exterior do edifício mesmo que respeitasse às partes comuns e não às frações “AI” ( 6° andar D) ou “AH” (6° andar C), sempre estaria fora do âmbito dos atos conservatórios.
6. Assim, se algum condómino realizar obras de inovação não autorizadas nas partes comuns só a assembleia de condóminos -e não o administrador – tem poderes para decidir as medidas a tomar.
7. Verifica-se, assim, a ilegitimidade ativa do condomínio, para a presente ação, que é verdadeiramente de reivindicação relativamente a partes comuns, dado que a pretendida remoção dos aparelhos de ar condicionado ou da divisória amovível terá de decorrer da invocação da compropriedade sobre tais partes comuns.
8. Pelo exposto, a decisão recorrida violou nesta parte as disposições legais acima citadas, designadamente os artigos 1436° e 1437° e 1311° e 1420° do Código Civil.
9. O título constitutivo do edifício dispõe, no artigo sexto, alínea e), que “nenhum condómino poderá colocar poleias no exterior do edifício, para uso de estendais, colocação de aparelhos de ar condicionado, ou outro de acordo com o preceituado no número dois do artigo mil quatrocentos e vinte e dois do Código Civil” (remissão esta não tida em conta no douto acórdão recorrido).
10. Ou seja, este artigo remete, quanto às características das obras não permitidas, para o disposto no n°2 do artigo 1422°/ Código Civil, na redação na altura em vigor, pelo que segundo o título só eram e são proibidas as obras novas que “prejudiquem…a segurança, linha arquitetónica e arranjo estético do edifício” (al. a).
11. E, quanto ao dito “Regulamento de Condomínio”, a deliberação que o tomou, é nula ou ineficaz, não vinculando qualquer dos condóminos, pelas seguintes razões:
a)- nela é apenas mencionada a aprovação do “Regulamento”, sem que o seu teor ou conteúdo, que constitui a verdadeira matéria da deliberação, conste da referida ata ou constitua sequer seu anexo, e sem que, assim, se saiba até se o seu conteúdo seria invocado pelo A.;
b)- a ata não foi assinada pelos condóminos que estiveram presentes na referida reunião.
12. Ora, qualquer deliberação – como é o caso – que, tomada em assembleia, não esteja subscrita por todos os condóminos que nela tenham participado, formalidade que dá a garantia da autenticidade do relato que nela é feito, nem refira as circunstâncias relevantes das deliberações tomadas, não está “devidamente consignada na ata”, pelo que essa deliberação não é vinculativa e é nula (artigo 220 do CC) ou, no mínimo, ineficaz – o que sucede com as “deliberações” da “ata” em causa – artigo 1° do Decreto-Lei n. 268/94, de 25 de Outubro.
13. Além disso, o referido “Regulamento”, no seu artigo 8°, veio estabelecer novas proibições, que não existiam na lei nem no título constitutivo.
14. Por outro lado, a reunião da assembleia geral em que o dito “Regulamento” foi “aprovado” realizou-se e deliberou sem o quórum legal, dizendo-se na respetiva ata estar presente um número de condóminos que é inferior ao que a lei exige para que a assembleia pudesse validamente deliberar em primeira convocatória – o que geram nulidade e o douto acórdão recorrido não apreciou apesar de ser questão posta no recurso, o que também gera nulidade.
15. Para além disso, o quórum para a referida reunião e os votos nas deliberações nela tomadas foram apurados de acordo com regras que nada têm a ver com as que a lei define imperativamente no artigo 1432° – regras essas que não se mostra também sido aprovadas ou aceites por todos os condóminos – o que gera nulidade e o douto acórdão recorrido não apreciou apesar de ser questão posta no recurso, o que também gera nulidade.
16. Quanto às obras de ar condicionado, o A. Alegou apenas que prejudicam o arranjo estético do edifício, o que foi dado como não provado na resposta ao quesito 4°, isto sendo certo também que tal afirmação sempre seria conclusiva, consistindo em mera transcrição do referido na alínea) do n. 2 do artigo 1422 do CC.
17. Nenhuma referência entendeu o A. ser necessário fazer nomeadamente quanto à natureza e dimensão dos aparelhos instalados, ao local da sua colocação, à visibilidade dos referidos aparelhos, nem a quaisquer outras circunstâncias dos aparelhos que importassem num prejuízo estético para o edifício, sendo certo que não basta a simples invocação de que foram feitas obras para reclamar a sua remoção, uma vez que os direitos são atribuídos pela lei tendo em vista um fim digno de proteção.
18. A este respeito é lapidar a doutrina do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Abril de 1998, publicado na Coletânea, Tomo II, págs. 52 e sgs., que, em caso semelhante ao dos autos, entendeu ser exigível e necessária a prova de efetivo dano ou prejuízo para a segurança, linha arquitetónica e arranjo estético do prédio ou que, sendo necessária aprovação dos condóminos, não bastava a simples invocação formal da lei para legitimar a pretensão de demolição, quando essa pretensão – como também o é no caso dos autos – integre verdadeiro abuso de direito;
19. Acresce que no presente caso o A. diz pretender exercer o “direito” à demolição de obras, mas fá-lo com o único objetivo de causar um prejuízo aos R.R., por não demonstrar que estes algum prejuízo tenham causado.
20. E pretende a demolição das obras feitas pelos R.R. quando se prova (pontos 21 a 26 da matéria de facto) que outras também foram feitas no prédio, iguais ou de natureza semelhante à dos R.R. e com os mesmos efeitos no arranjo estético e linha arquitetónica do edifício, e sem que simultaneamente se tivesse pedido a sua demolição (ponto 27 matéria de facto), de tal modo que, mesmo que a ação procedesse e as obras fossem demolidas, isso não restituiria o prédio à sua situação inicial nem reporia a sua configuração arquitetónica ou uniformidade inicial.
21. Como também resulta dos factos provados, a demolição das obras causaria aos R.R. um prejuízo significativamente mais elevado do que quaisquer “benefícios” que da pretendida demolição poderiam resultar, sendo certo que se provou (ponto 12 da matéria de facto) que a colocação dos aparelhos de ar condicionado foi imposta pela necessidade de proporcionar condições de habitabilidade às frações, principalmente durante o Verão, as quais não foram concebidas no seu início para comportarem no seu interior sistemas de ar condicionado, nem em outra parte do edifício, isto quando está em causa um edifício de construção recente em que isso seria exigível à luz do que hoje pacificamente se considera deverem ser as condições mínimas de habitabilidade.
22. Mais se provou:
– (ponto 13) que, no Verão, o edifício é, na zona das frações em causa, intensamente aquecido pelo sol, sendo muito elevadas as temperaturas que, tanto de dia como de noite, se fazem sentir no seu interior;
– (ponto 14) que a segunda Ré sofre de doença de pele;
– (ponto 15) que as frações em causa não foram concebidas no início para comportarem no seu interior sistema de ar condicionado, bem como em outra parte do edifício.
23. e provou-se ainda (ponto 18) que “a instalação dos aparelhos de ar condicionado em causa nenhum prejuízo trouxe ou traz ao edifício, ou às suas partes comuns ou aos demais condóminos, para além do constante no ponto 6” em que se alude não a prejuízo, mas a simples modificação da linha arquitetónica e arranjo estético, e em que, em qualquer caso, se reconhece tratar-se de “inovações de pequena dimensão e visibilidade”.
24. Assim, o A. pretende contrapor um invocado “prejuízo estético”, não concretizado e não provado, com o direito que têm os R.R. a beneficiar no local de sua habitação permanente de condições de habitabilidade e de existência, com um mínimo de salubridade e incomodidade, que seriam prejudicadas se ocorresse a pretendida demolição.
25. Nestes termos, o aliás douto acórdão recorrido violou as disposições legais acima citadas, pelo que deverá ser revogado e em consequência julgar-se a ação improcedente, absolvendo-se os R.R. dos pedidos.
2. Quanto à matéria de facto remete-se para o acórdão recorrido (artigos 713°, n°6 e 726°, do Código de Processo Civil).
3. No presente recurso são suscitadas as seguintes questões: falta de poderes do Administrador do condomínio para intentar a presente ação (1); nulidade do Regulamento do condomínio (2); falta de prova de que as instalações em causa efetivamente prejudiquem a segurança, linha arquitetónica e arranjo estético do edifício (3); abuso de direito (4).
3.1 Falta de poderes do Administrador do condomínio para intentar a presente ação
Sustentam os Recorrentes que o Administrador não foi autorizado pela assembleia realizada em 5 de Maio de 2000, uma vez que a deliberação respetiva é nula, e que a ação em causa não respeita a atos conservatórios ou de administração mas traduz-se antes numa ação de reivindicação.
Ora, esta questão foi suscitada pelos Recorrentes no âmbito do recurso de agravo, na perspetiva da ilegitimidade do Autor. Sobre ela pronunciou-se o acórdão Recorrido entendendo que , face ao disposto no artigo 26° do Código de Processo Civil, o recurso é manifestamente infundado. Com efeito, no desempenho das funções que o Administrador considera pertencerem-lhe, este alega terminada conduta dos Réus que é violadora da lei e dos regulamentos aplicáveis ao prédio que administra e que tal violação levada a cabo pelos Réus incide sobre partes comuns desse mesmo prédio cuja conservação lhe compete. E acrescenta: “Estamos perante uma situação que, independentemente da procedência ou improcedência da ação, configura um manifesto interesse do Autor em demandar os Réus com vista à prossecução de um direito que lhe cabe assegurar”.
Carecem, pois, de razão os Recorrentes ao afirmarem que o acórdão recorrido não se pronunciou sobre a questão que mencionam.
E sempre se dirá que a ação em causa se integra nos poderes conferidos ao administrador de condomínios pelo artigo 1436 f) e l), do Código Civil. Com ela tem-se em vista assegurar-se o respeito do disposto no artigo 5°, alínea e), do Título Constitutivo da Propriedade Horizontal, assim redigido:
“Nenhum condómino poderá colocar poleias no exterior do edifício, para uso de estendais, colocação de aparelhos de ar condicionado, ou outros de acordo com o preceituado no número dois do artigo mil quatrocentos e vinte e dois do código civil”.
A este respeito importa desde já afastar a interpretação feita pelos Recorrentes no sentido de que esta cláusula, ao reenviar para o artigo 1422° do Código Civil, supõe que a colocação de ar condicionado cause um efetivo prejuízo à segurança, à linha arquitetónica ou ao arranjo estético do edifício (n°2, alínea a)). Com efeito, o reenvio para esta disposição não abrange as poleias mencionadas na primeira parte da referida cláusula mas apenas as “outras” obras realizadas pelos condóminos. É assim que um declaratário normal a interpretaria, face à separação das duas partes da cláusula, acentuada por uma vírgula, bem como à finalidade que a anima de evitar obras que notoriamente afetam o equilíbrio estético e arquitetónico dos edifícios.
3.2 Nulidade do Regulamento do Condomínio
A questão da nulidade do Regulamento do Condomínio foi decidida pelo acórdão recorrido em termos que não merecem qualquer censura.
Com efeito, mesmo que os vícios imputados pelos Recorrentes existam, deles resultaria não a nulidade mas a anulabilidade e não consta que exista qualquer ação de anulação da deliberação dos condóminos em causa. E o Regulamento, no que se prende com as obras em causa, mais não faz do que reproduzir o que consta do mencionado artigo 5°, alínea e) do Título Constitutivo.
Para a fundamentação do acórdão se remete (artigos 713, n. 5 e 726 do Código de Processo Civil).
3.3 Falta de prova de que as instalações em causa efetivamente prejudiquem a segurança, a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício.
Quanto a este ponto remete-se para a interpretação que se impõe do artigo 5°, alínea e) do Título Constitutivo da propriedade horizontal (supra, 3.1).

3.4 Abuso de direito

Nesta parte do seu recurso incluem os Recorrentes duas matérias distintas.
Alegam, em primeiro lugar, que a ação só quanto a eles foi dirigida e não contra todos os condóminos que procederam a semelhantes instalações.
A este respeito basta observar que tal procedimento só poderia ser considerado abusivo quando, manifestamente, existisse por parte da Administração do Condomínio, a intenção de apenas visar os Recorrentes quando outros condóminos dispõem de iguais instalações. Mas, como observa o acórdão recorrido, ignoram-se as circunstâncias que envolvem estas últimas instalações, e, em qualquer caso, desconhece-se o motivo por que não foram instauradas outras ações. Daí não poder concluir-se no sentido de que o Autor discriminou injustificadamente os Recorrentes, não se encontrando, assim, provado o abuso de direito.
Alegam, em segundo lugar, os Recorrentes que a instalação de ar condicionado se tornou necessária para assegurar condições de habitabilidade às frações em causa. E a segunda Ré sofre de doença de pele que se não compadece com a falta de tal instalação. A este respeitam invocam as elevadas temperaturas que, no verão, tanto de dia como de noite, se fazem sentir no interior das frações em causa (ponto 13 da matéria de facto) bem como o facto de essas frações não terem sido concebidas no início para comportarem no seu interior sistema de ar condicionado, bem como em outra parte do edifício (ponto 15). E acrescentam que as instalações em causa são “inovações de pequena dimensão e visibilidade”, nenhum outro prejuízo tendo causado ao edifício para além da simples modificação da linha arquitetónica e arranjo estético (ponto 18).
A este respeito importa observar que a ter-se provado a impossibilidade de instalar ar condicionado em condições que não afetassem o edifício ou o afetassem em menor grau, o direito dos Recorrentes à proteção da respetiva saúde, em princípio, deveria primar sobre o dos condóminos, de assegurar o equilíbrio arquitetónico e arranjo estético do imóvel comum (cfr. o artigo 335°, n. 2 do Código Civil).
Mas apenas se provou que o edifício não foi concebido para a instalação no seu interior ou no exterior de ar condicionado. Não que fosse impossível a colocação dos respetivos aparelhos noutro local, menos comprometedor da finalidade prosseguida com a cláusula 5ª, alínea e) do Título da Propriedade Horizontal. Como resulta do n. 34 dos factos assentes, chegou-se a admitir a hipótese de consulta de empresas da especialidade no sentido de saber se as máquinas podiam ser colocadas no telhado, com condutas que não prejudiquem a estética da fachada. Ignora-se, porém, o que dessa consulta resultou.
Nega-se, pois, a revista.
Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 13 de Janeiro de 2005

Moitinho de Almeida,
Ferreira de Almeida,
Abílio Vasconcelos.

Fonte : Acórdão nº 04B4240 de Supremo Tribunal de Justiça, 13 de Janeiro de 2005

Pin It on Pinterest